Patriarca de Veneza
Queridos irmãos e irmãs, encontrar-nos no lugar onde durante anos São Leopoldo Mandic administrou a graça do perdão a milhares e milhares de homens e mulheres causa uma grande alegria e uma forte emoção.
O ditado "Gratia supponit naturam" – "A graça pressupõe a natureza" – expressa bem a visão cristã do homem; a ideia subjacente é que a graça de Deus, na qual somos salvos, não pode ser confundida com a força e os recursos dos homens.
Junte-se a nós
Homilia Do Patriarca De Veneza
Monsenhor Francesco Moraglia
Ao mesmo tempo, o ditado “Gratia supponit naturam” significa que a graça usa a natureza, depende da natureza e assim acontece de forma habitual. Sim, a graça costuma usar a natureza, mas este não é o único caminho possível. Com efeito, em alguns casos, Deus, para mostrar que é a graça que salva – e não os recursos do homem – realça ao máximo a diferença entre a graça e a natureza, entre os recursos da graça e os da natureza. E foi exatamente isso que aconteceu em São Leopoldo Mandic.
Este “desequilíbrio” era muito evidente nele, como se Deus quisesse reiterar nele que a salvação é um dom exclusivo de Deus e não apenas um caminho puramente humano. No Padre Leopoldo encontramos impressionantes dons de graça. A pequena cela confessional, onde exerceu o seu ministério de confessor durante quase trinta anos, testemunhou conversões grandiosas, inúmeros dons espirituais, graças muito particulares que mudaram a vida de milhares e milhares de homens e mulheres. Às vezes eram agradecimentos materiais como, por exemplo, a descoberta – de forma totalmente inesperada – de trabalho por alguém que já havia planejado o suicídio por desespero. E tudo isso nas formas e nos tempos anunciados pelo Padre Leopoldo.
Num plano puramente externo - aludo à figura física - o Padre Leopoldo podia parecer não só "insignificante", mas também "desajeitado", a ponto de não passar despercebido. É eloquente o que escreveram os irmãos capuchinhos da Província veneziana no ano de 1923. A descrição – que encontramos nos Anais dos Capuchinhos Venezianos – é impiedosa: "...no ensino e na pregação ele falha, sendo um gago forte, de constituição fraca e anão...". Depois, porém, é preciso admitir: "Na confissão, porém, ele exerce um fascínio extraordinário e isto devido à sua forte cultura, à sua fina intuição e sobretudo à sua santidade de vida...".
(Anais dos Capuchinhos Venezianos, ano 1923, p. 650)
Uma pessoa, portanto, que não só não passava despercebida como despertava hilaridade, zombaria e ridículo. Os estudantes universitários, clientes habituais do Caffè Pedrotti, foram os primeiros a destacar-se neste alvoroço indigno. Tudo contribuiu para este escárnio: a sua baixa estatura - apenas um metro e trinta e cinco -, a forte gagueira que lhe causava constrangimento e em quem o ouvia... Num determinado momento houve também a artrite deformante que tornava o andar doloroso para ele.
Ora, precisamente este desequilíbrio existente entre o físico - objeto de escárnio - e o ministério do confessor - ligado a uma abundância sem precedentes da graça divina - diz-nos como Deus gosta de usar aqueles que são julgados inúteis ou mesmo ridículos aos olhos do mundo para realizar a maior obra, a salvação dos homens. Mas o humilde frade tinha uma alma ardente e costumava recorrer ao Senhor, pedindo perdão pelos seus pecados, com as mesmas palavras de São Jerónimo: "Tem piedade de mim, Senhor, sou dálmata".
Só quando se tornou conhecido pelo seu ministério de acolhimento dos pecadores é que o escárnio, o ridículo e a zombaria deram lugar ao respeito, à deferência e, na verdade, a uma verdadeira veneração. Por sua vez, o frade dizia de si mesmo: "Sou realmente um homem inútil, até ridículo".
Deus realmente usa pessoas insignificantes e desprezadas para confundir os educados, os poderosos. Aqui temos uma manifestação clara das palavras do profeta Isaías: ". . . os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, os vossos caminhos não são os meus caminhos. Oráculo do Senhor. Por mais que o céu esteja acima da terra, tanto os meus caminhos estão acima dos seus caminhos, e os meus pensamentos estão acima dos seus pensamentos. Na verdade, assim como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam sem ter irrigado a terra, sem tê-la fertilizado e feito brotar, para que dê semente a quem semeia e pão a quem come, assim será com a palavra que sai da minha boca".
(É 55, 8-11). Por outro lado, o perdão é algo que só Deus pode dar; na verdade, só Ele pode perdoar pecados. Por isso Jesus quis colocar na sua oração, o Pai Nosso, o pedido de perdão entendido como um dom que vem do Pai que está nos céus e que o homem nunca poderá dar se não o tiver recebido primeiro, como, precisamente, graça.
Se - como normalmente é verdade - gratia supponit naturam, também é verdade que, por vezes, Deus - como na vida do apóstolo Paulo - decide subverter esta relação para demonstrar, sem qualquer dúvida, a plena gratuidade do perdão e da sua ternura para com o homem pecador, em qualquer situação em que se encontre.
Assim, Padre Leopoldo – com seu físico desajeitado e sua fala desajeitada – mostra eloquentemente uma fecundidade e uma potência que nos contam como Deus – e somente Ele – se fez presente e agiu nas palavras e nos gestos do humilde frade capuchinho. São Leopoldo, neste Ano Jubilar da Misericórdia, foi-nos mostrado pelo Papa Francisco como um maravilhoso exemplo de confessor; nele vemos como a graça vem diretamente da Cruz de Cristo, do seu sangue, e não dos homens e dos seus recursos.
O pequeno frade dálmata recorda-nos, portanto, que só Deus é o criador da conversão das almas e que cada alma, seja qual for a situação em que se encontre, pertence única e exclusivamente ao Crucifixo.
Tal como outros grandes ministros do sacramento da reconciliação, o Padre Leopoldo lembra-nos que, neste sacramento, tudo vem de Deus e que a confissão é algo diferente do acompanhamento psicológico ou do caminho pedagógico. O sacramento da confissão não deve ser reduzido a palavras e gestos humanos que esvaziam, até anular, o sacramento da graça e do sangue de Cristo; de facto, no sacramento da reconciliação, tudo acontece no amor de Deus, que se exprime plenamente na cruz de Cristo e no seu sangue derramado. Perder tudo isto de vista significa perder o sentido do sacramento da penitência/reconciliação, caindo numa prática puramente humana.
Gostaria de recordar aqui duas outras grandes figuras de confessores – ministros da Divina Misericórdia – que, como São Leopoldo, passaram grande parte da sua vida no confessionário. Refiro-me a São Pio de Pietrelcina e a São João Maria Vianney, santo pároco de Ars. Eles, como o Padre Leopoldo, fizeram verdadeiramente do ministério da confissão o centro do seu sacerdócio e chegaram mesmo a permanecer no confessionário, continuamente, durante quinze a dezoito horas por dia.
Padre Leopoldo - como confessor - era erroneamente considerado pelos irmãos como tendo mangas excessivamente largas; acusavam-no de perdoar a todos sem ter pedido o arrependimento necessário, era considerado demasiado indulgente no contacto com os pecadores e parecia demasiado condescendente; este boato - como muitas vezes acontece - espalhou-se sobretudo pela ação incessante daqueles que não foram benevolentes para com ele.
Mas isso não é verdade. Nele, na realidade, havia uma concepção de misericórdia exigente e teologicamente impecável, exceto que, como acontece nos verdadeiros ministros do sacramento da reconciliação e ao contrário daqueles que não penetraram na realidade profunda deste ministério, foi ele - o confessor - que muitas vezes tomou o lugar do penitente e assumiu sobre si o peso das mortificações que os seus penitentes ainda não eram capazes de cumprir.
Sim, falar muito facilmente sobre o perdão significa ter perdido o significado do pecado. Este, porém, não foi o caso de Leopoldo Mandic que se entregou "de corpo e alma" à experiência dramática da realidade do sacramento do perdão. Não eram raras as noites de sofrimento em que o humilde frade revivia as horas passadas por Jesus no Jardim das Oliveiras. E é significativo que só a palavra do seu confessor - no sacramento - lhe deu tranquilidade e lhe devolveu a paz.
Não esqueçamos, porém, a forma como Padre Leopoldo tratava aqueles que - por oportunidade, hábito ou mesmo para testá-lo - iam ao seu confessionário sem dor ou desejo de conversão.
Um dia, depois de ter tentado todas elas com um penitente particularmente irritante, que defendia obstinadamente os seus pecados e respondia com ironia e escárnio às palavras do frade, levantou-se de repente e exclamou em voz alta: "Vá embora! vá embora! Você fica do lado dos malditos de Deus!". Diante daquela reação completamente inesperada do gentil frade, o homem se jogou no chão chorando e pedindo perdão. Então Padre Leopoldo, levantando-o prontamente com carinho e ternura, disse-lhe: "Veja, agora você é meu irmão de novo".
Outras vezes saía da cela/confessionário e dirigia-se, com decisão, para uma pessoa e conduzia-a diretamente ao confessionário, ajudando assim aqueles que sozinhos não teriam tido forças para dar o último passo rumo ao perdão de Deus.
Que São Leopoldo nos ajude, neste Ano da Misericórdia, a redescobrir o sentido do pecado e do perdão e a sentir, em nós e nas nossas comunidades, a beleza e a alegria de uma vida verdadeiramente reconciliada no amor de Deus.
Santa Missa na Novena por ocasião da festa de São Leopoldo Mandic
(Pádua – Santuário de S. Leopoldo Mandic, 11 de maio de 2016).