PONTIFICIO COLÉGIO PIO BRASILEIRO
CELEBRAÇÃO DA PÁSCOA NA COMUNIDADE
ROMA, 30.05.2015
Homilia do Pe. Reitor

Uma antiquíssima tradição judaica cantava as “quatro noites” da ação salvífica de Deus junto a seu povo. O sentido destas quatro noites está muito presente na celebração pascal, já da Primeira Aliança, e, depois, transmitida à prática cristã. Daí se desprende uma belíssima teologia do “poema das quatro noites”, em cores de salvação. Através desta teologia refinada fazemos memória da história da salvação manifestada nos textos bíblicos, revividos na noite pascal e ecoados na esperança cristã.

A primeira noite foi quando o Senhor se manifestou ao mundo para criá-lo, quando Deus tirou do nada a vida e todos os seres viventes, como lemos em Gn 1,1-2,2. É a noite da passagem do caos ao comos, do nada à existência, do informe à explosão pluriforme da natureza. A criação foi a primeira ação salvífica de Deus. Salvou-nos do nada, da não existência. Podemos ler os textos relativos à criação à luz da ciência avançada da atualidade, interpretando a ação de Deus ao longo dos tempos para direcionar tudo a uma plenitude. Assim, a criação não é estática, mas dinâmica. O ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus. A imagem se refere às marcas do Criador presentes em nós: amor, bondade, compaixão... A semelhança se refere a um processo de assemelhamento, que vai sendo realizado pela graça, até que possamos mergulhar na plenitude de Deus.

A segunda noite foi quando o Senhor se manifestou a Abraão, diante do sacrifício de Isaac, como lemos em Gn 22,1-18. Certamente, no seu sentido mais remoto, a perícope se refere à passagem dos sacrifícios humanos aos sacrifícios animais. Os Padres da Igreja interpretaram o texto com uma chave de leitura cristológica: o Pai expondo à morte seu Filho amado como prova suprema de amor. Se Isaac foi poupado no instante final, o mesmo não aconteceu com Jesus, mas ambos não ficaram entregues à morte. Isaac foi salvo da morte e, em seu lugar, o pai ofereceu um cordeiro em sacrifício. Jesus foi o próprio cordeiro imolado. Passou pela morte, mas a ela não ficou submisso, pois o Pai o ressuscitou dos mortos, legitimando toda sua práxis pela qual havia sido condenado.

A terceira noite foi quando o Senhor se manifestou a favor dos hebreus e contra os egípcios (Ex 14,15-15,1). Nosso Deus é um Deus que toma partido: ele está do lado dos oprimidos da história e contra os opressores de plantão. É o Deus que liberta seu povo escravo em terra estrangeira. Para realizar esta libertação, Deus passou na terra dos egípcios, matou seus primogênitos e deixou viver os primogênitos dos hebreus. Tirou, com mão forte, seu povo da escravidão. Durante a noite foi coluna luminosa que não deixava seu povo tropeçar pelo caminho. Durante o dia foi sombra generosa para seu povo que caminhava sem descanso. A este seu povo querido Deus providenciou a travessia do Mar Vermelho a pé enxuto e com segurança, enquanto afogava os egípcios e seus cavalos de guerra. Foi com asas de águia que Deus transportou seu povo para a Terra onde corre leite e mel.

A quarta noite será quando o Senhor se manifestar ao mundo para redimi-lo, acreditavam os hebreus… É a noite da Páscoa em nome do Senhor. Noite da esperança de realização das promessas messiânicas. Noite anunciada pelos profetas (Is 54,5-14; 55,1-11; Bar 3,9-15.32-4,4; Ez 36,16-17a.18-28). Nós cristãos, acreditamos que essas promessas se realizaram em Jesus de Nazaré, o crucificado-ressuscitado, mesmo que permaneçamos em expectativa para a realização da plenitude. Acreditamos que Jesus Cristo, na aurora de sua morte e ressurreição, tenha inaugurado o dia eterno, sem ocaso. Superamos a noite, já é dia. “Tudo foi consumado”. Vivemos na luz deste novo dia, construindo as novas realidades até que cheguem novos céus e nova terra, quando o Senhor fará novas todas as coisas.

O Evangelho, há pouco proclamado, nos insere neste contexto pascal. Durante a Ceia, depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus lhes disse: “Em verdade, em verdade vos digo: o servo não está acima do seu senhor e o mensageiro não é maior que aquele que o enviou. Se sabeis isto, e o puserdes em prática, sereis felizes” (Jo 13,16-17). Depois de termos celebrado a Páscoa da Ressurreição, permanece a memória do que o Senhor fez e nos ensinou a fazer: colocar-se a serviço, na solidariedade, na partilha, na misericórdia. Seremos felizes se compreendemos o sentido de tudo o que celebramos na Ceia-Paixão-Ressurreição do Senhor.

A Primeira Leitura de hoje nos insere no contexto pós-pascal. Assim como os primeiros cristãos – de forma especial o Apóstolo Paulo e seus companheiros – saíram para levar a boa notícia de Jesus Cristo a todos os povos, somos chamados, hoje, a uma situação de saída de nossas comodidades para ir de encontro às necessidades de nossos irmãos.

O povo dos cristãos é o povo do Êxodo permanente, da travessia destemida, da Páscoa que descortina novos horizontes, das quatro noites que não têm ocaso. Jesus Cristo, crucificado-ressuscitado, é a Coluna luminosa que clareia nossos caminhos, é a coluna de nuvem que nos faz suportar as agruras desta situação de êxodo. É ele que aquece nossos corações, no caminho, e intensifica nosso vigor para sermos suas testemunhas no hoje de nossa história.


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