PONTIFICIO COLÉGIO PIO BRASILEIRO
CELEBRAÇÃO DA SOLENIDADE DE CORPUS CHRISTI
Pe. GERALDO DOS REIS MAIA – REITOR
ROMA, 07.06.2015

Na ação sagrada do Sinai, após proclamar as cláusulas da Aliança e obter o consentimento do povo de Deus, Moisés asperge a comunidade com o sangue de novilhos e anuncia: “Este é o sangue da aliança, que o Senhor fez convosco, segundo todas estas palavras” (Ex 24,8). Muitos séculos depois, Jesus Cristo desejou ardentemente comer a última ceia com seus discípulos (cf. Lc 22,15), no contexto do memorial daquela antiga aliança, na véspera de sua paixão. Pondo-se à mesa, naquela Santa Ceia, endereçada ao Mistério Pascal, o Senhor selou conosco a nova e definitiva Aliança (cf. Mc 14, 22-26). Assim, “não com o sangue de bodes e bezerros, mas com o seu próprio sangue, ele entrou no Santuário uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12).

Na Quinta-feira Santa, celebramos a memória desta instituição da Eucaristia. Após a Missa da Ceia do Senhor, permanecemos em adoração, num altar ornado e iluminado, louvando ao Senhor por este sacramento. A cada Eucaristia celebrada perpetuamos este mistério da presença do Senhor, o que ele realizou uma vez por todas pela humanidade: fidelidade, até às últimas consequências ao projeto do Pai. Sempre que celebramos a Eucaristia, anunciamos a Morte e a Ressurreição do Senhor até que Ele venha (cf. 1Cor 11,26). É o Banquete da vida, da esperança e do amor daquele que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Mais de doze séculos após esta instituição do Senhor, a Igreja sentiu a necessidade de instituir uma solenidade para expressar publicamente a presença de Jesus eucarístico entre nós. Foi o Papa Urbano IV que instituiu a Solenidade de Corpus Christi ou Corpus Domini, através da Bula Transiturus de hoc mundo, em 1264. Assim ele se expressou: “... Superando toda plenitude de generosidade, excedendo toda medida de amor, [Jesus Cristo] ofereceu a si mesmo em alimento. Ó singular e maravilhosa generosidade, em que o doador vem como dom, e o que é doado é totalmente idêntico ao doador!...” (DH 847).

Mesmo durante todo o tempo, desde a instituição da Eucaristia até a instituição da Solenidade de Corpus Christi, os cristãos sempre celebraram e valorizaram a presença do Senhor na comunidade. Vários nomes foram dados à Eucaristia: fração do pão, dominical, missa... Em cada uma dessas celebrações, é feita a memória dos mistérios Senhor, desde sua Kénosis e encarnação, recolhendo seus ensinamentos, sua prática libertadora e sua presença estimuladora entre nós, perpetuando sua oferta na cruz e sua ressurreição, indicando o horizonte para onde se encaminha a humanidade: plenitude de vida no amor do Pai.

Durante as perseguições do Império romano, muitos cristãos se arriscaram, celebrando a Ceia do Senhor. No ano 304, quando o Imperador Diocleciano havia proibido os cristãos, sob pena de morte, de possuir as Escrituras, de reunir-se aos domingos para celebrar a Eucaristia e de construir lugares para suas assembleias, ocorreu um belo fato em Abitene, uma localidade da Tunísia. Ali, 49 cristãos foram presos em flagrante, reunidos na casa de Octávio Félix, celebrando a Eucaristia. Foram levados a Cartago, diante do pró-Cônsul Anulino. Interrogados sobre a desobediência às leis do Império, um cristão de nome Emérito, deu as razões da desobediência daquela comunidade: “Sine Dominico non possumus”. Não podemos viver sem nos reunirmos em assembleia dominical para celebrar a Eucaristia. De fato, aqueles 49 cristãos não viveram para este mundo, foram barbaramente torturados e, assim, confirmaram sua fé pela efusão do sangue. (Cf. Acta SS. Saturnini, Dativi et aliorum plurimorum Martyrum in Africa, 7,9,10: PL 8, 707.709-710; D. Ruiz Bueno, Actas de los Mártires, BAC 75, Madrid 2003, 972-994).

Com o salmista, hoje, apresentamos o mesmo questionamento: “Que poderei retribuir ao Senhor Deus por tudo aquilo que ele fez em meu favor?” Nossa resposta ecoa aquela mesma do salmista: “Elevo o cálice da minha salvação, invocando o nome santo do Senhor” (Sl 115,12-13). Sim, irmãos presbíteros, nutrimos a mesma alegria em celebrar o memorial da Aliança do Senhor, que nos garante, sacramentalmente, sua presença. Eis o memorial perpétuo, sacramento da partilha e do serviço, ensinando-nos a partilhar o que somos e o que temos, colocando-nos a serviço uns dos outros. Na espécie do pão e do vinho eucaristizados, Jesus nos ofereceu seu corpo e seu sangue como alimentos para nos fortalecermos no testemunho de seu seguimento, como seus discípulos-missionários.

Na Solenidade de Corpus Christi, ao celebrar a presença de Jesus Cristo, com seu Corpo e seu Sangue, nossas comunidades levam esta presença pelas ruas de nossas cidades, belamente ornadas, com seus tapetes coloridos, em testemunho público, como que a proclamar: “sem a Eucaristia não podemos viver”. A Hóstia consagrada é conduzida sob o palio, que nos recorda a “tenda de reunião”, lugar da manifestação de Deus junto ao seu povo (cf. Ex 36,8-19; 40,34-35). Jesus Cristo armou sua tenda entre nós, fez-se humano, fez-se carne, fez-se sangue, veio habitar entre nós (cf. Jo 1,14). É a inserção dramática e definitiva de Deus na história humana. “Eis a tenda de Deus entre os homens” (Ap 21,3b). Amou-nos, com um coração humano (cf. GS 22), até depois do fim... continua a nos amar, eternamente, apaixonadamente, permanecendo conosco “todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28,20b).


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