PONTIFICIO COLÉGIO PIO BRASILEIRO
CINQUENTENÁRIO DO ENCERRAMENTO DO CONCÍLIO VATICANO II
II DOMINGO DO ADVENTO
ROMA, 06 de dezembro de 2015
Homilia do Pe. Reitor

Caríssimos irmãos e irmãs!

Na antevéspera da Solenidade da Imaculada Conceição e da celebração do cinquentenário de encerramento do Concílio Vaticano II, com a abertura do Ano Santo da Misericórdia, celebramos este II Domingo do Tempo do Advento.

Desde o exílio da Babilônia, o Profeta Baruc encoraja o que restou de Jerusalém, evocando as esperanças messiânicas. Num contexto de devastação e de ruínas, a Cidade Santa é chamada a despir-se da veste de luto e de aflição e a revestir-se, para sempre, dos adornos da glória vinda de Deus. É chamada a cobrir-se com o manto da justiça que vem de Deus e a por na cabeça o diadema da glória do Eterno. Sim, “Deus mostrará teu esplendor, ó Jerusalém, a todos os que estão debaixo do céu”.

O Salmo de resposta a esta Palavra canta a alegria do retorno ao Senhor: “Quando o Senhor reconduziu nossos cativos, parecíamos sonhar; encheu-se de sorriso nossa boca, nossos lábios, de canções” (Sl 125,1-2ab). Se o espalhar das sementes gera o choro, a abundância dos feixes colhidos abre nossos lábios em cantos de alegria.

Ouvimos, no Evangelho, que a Palavra de Deus foi dirigida a João Batista para preparar os caminhos do Senhor, num contexto histórico bem definido. Isto porque o Filho de Deus vem trazer a mensagem de salvação inserindo-se na história humana para abrir, na história e não fora dela, novo horizonte de libertação.

Após apenas três meses de sua eleição, em 25 de janeiro de 1959, na Basílica de São Paulo, o Papa João XXIII anunciou sua intenção de convocar um concílio ecumênico. Isto causou interrogações e perplexidade por parte das várias tendências dentro e fora da Igreja Católica. Passou-se à consulta dirigida a 2700 pessoas e 62 comunidades e instituições. As respostas chegadas manifestaram grande interesse da Igreja pela possibilidade de um novo concílio. As comissões e subcomissões trabalharam com afinco preparando setenta esquemas para serem submetidos à apreciação dos Padres conciliares.

A intenção de João XXIII era realizar um concílio na dinâmica pastoral, que tivesse o efeito de um novo Pentecostes, no sentido do anúncio do Evangelho nas atuais circunstâncias históricas. Ele desejava, como manifestou na bula de convocação do Concílio, «por em contato o mundo moderno com as energias vivificadoras e perenes do Evangelho [...]» (Humanae salutis, 6). O Papa afirmava que é preferível reanimar toda nossa confiança no Salvador que não se afastou do mundo por ele remido. É preciso saber interpretar os «sinais dos tempos» (Mt 16,3), o que ajuda a «vislumbrar, no meio de tantas trevas, não poucos indícios que dão sólida esperança de tempos melhores à sorte da Igreja e da humanidade» (Id., 6).

No Motu proprio Consilium, o Papa estabeleceu a data do início do Concílio para o dia 11 de outubro de 1962, relacionada à lembrança do grande Concílio de Éfeso, que foi importante na história da Igreja. Em linhas gerais, João XXIII apresentou o que seriam os frutos esperados do novo concílio: «que a Igreja, esposa de Cristo, revigore sempre mais as suas divinas energias e, na mais vasta medida, estenda a sua benéfica influência no ânimo de todos os homens» (Consilium, 65). Aí estava o gérmen do esquema eclesial do concílio sobre a Igreja ad intra e ad extra. «Deste modo, podemos esperar que os povos, volvendo mais confiadamente o olhar para Cristo, lumen ad revelationem gentium, especialmente aqueles que com tanta dor vemos sofrer por motivo de desventuras, discórdias e calamitosos conflitos, possam finalmente alcançar uma verdadeira paz, no respeito dos direitos e dos deveres recíprocos» (Id.).

Logo na abertura do concílio, na sua alocução, Gaudet Mater Ecclesia, João XXIII exprimia a esperança de tempos novos na vida da Igreja. Numa tonalidade bastante otimista o Papa discordava dos profetas da desgraça, anunciando que a misericordiosa Providência «está-nos levando para uma nova ordem de relações humanas, que, por obra dos homens e o mais das vezes para além do que eles esperam, se dirigem para o cumprimento de desígnios superiores e inesperados; e tudo, mesmo as adversidades humanas, dispõe para o bem maior da Igreja» (Gaudet Mater Ecclesia, 791). Esta visão esperançosa será uma tônica em toda difícil condução do Concílio. Sabiamente, o Papa dizia que a Igreja prefere servir-se da medicina da misericórdia ao invés de usar as armas do rigor, mostrando-se «mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade também com os filhos dela separados» Id., 793).

Estava nítida a perspectiva de aggiornamento proposta pelo papa. O objetivo do Concílio não seria o de condenar erros ou formular novos dogmas, mas adaptar a linguagem da fé aos novos tempos. Daí o seu caráter pastoral. João XXIII fez bem a distinção entre o depositum fidei e sua formulação ou expressão: «Uma coisa é a substância do depositum fidei, isto é, as verdades contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando-lhes, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance» (Id.», 792). Este caráter pastoral do magistério se caracteriza como uma formulação positiva da doutrina da fé que está preocupada em buscar uma linguagem que chegue às pessoas de hoje.

Na sessão de encerramento da Primeira Fase do concílio, João XXIII advertiu que ainda restava uma longa caminhada, com grandes trabalhos e responsabilidade. «Será verdadeiramente o “novo Pentecostes” (expressava o Papa) que fará florescer a Igreja nas suas riquezas interiores e na sua atenção materna a todos os campos da atividade humana; será novo passo em frente, do reino de Cristo no mundo, reafirmação cada vez mais alta e persuasiva da alegre boa nova da Redenção, anúncio luminoso da soberania de Deus, da fraternidade humana na caridade, da paz prometida na terra aos homens de boa vontade, em correspondência ao beneplácito celeste» (Habita in Vaticana Basilica, 39-40).

Paulo VI, eleito a 21 de junho de 1963, assumiu o desafio de continuar os trabalhos conciliares. Em sua alocução inaugural da Segunda Sessão, o novo Papa sinalizava para uma reforma estrutural na Igreja, deixando claro quais eram os principais objetivos a que se propunha o Concílio: melhor definição sobre a constituição da Igreja, sua renovação como um despertar primaveril de imensa energia espiritual e moral, a promoção da unidade entre os cristãos e o diálogo entre os seres humanos de nosso tempo. Além das questões internas da Igreja, o Papa aludiu aos dois diálogos a serem implementados. Desejou reatar as boas relações com o mundo: «a Igreja olha para ele com profunda compreensão, com sincera admiração e com sincero propósito não de o conquistar, mas de o servir; não de o desprezar, mas de o valorizar; não de o condenar, mas de o confortar e salvar» (Summi Pontificis allocutio, 856). Acerca do diálogo ecumênico, o Papa apelou para o perdão diante da história de separação havida entre as várias denominações cristãs: «Se alguma culpa Nos pudesse ser imputada por tal separação, Nós pedimos humildemente perdão a Deus, e pedimos também perdão aos Irmãos que se julgassem ofendidos» (Id., 853).

Paulo VI ofereceu uma contribuição maior ao Concílio, através de sua encíclica programática, Ecclesiam suam, publicada em 06 de agosto de 1964. O Papa apresentou um tríplice empenho da Igreja: aprofundar a consciência de si mesma; necessidade de renovação; relações da Igreja com o mundo, donde brota o «problema do diálogo entre a Igreja e o mundo moderno». E foi este o esquema da encíclica: consciência, renovação e diálogo, o que sinalizou os caminhos de aprofundamento dos trabalhos conciliares.

Paulo VI teve algumas atitudes bastante simbólicas. Consideramos aqui apenas algumas delas, mais ilustrativas. A primeira foi a visita à Terra Santa, de 4 a 6 de janeiro de 1964, onde se encontrou com o Patriarca ortodoxo Atenágoras. Nesta mesma direção, quase dois anos depois, na última Sessão pública do Concílio, a 07 de dezembro de 1965, se deu a suspensão da pena de excomunhão que pesava tanto sobre a Igreja Católica quanto a ortodoxa, desde 1054. Muito significativa foi a deposição da tiara papal, no dia 13 de novembro de 1964, sobre o altar da Basílica de São Pedro. Acenamos à visita que Paulo VI fez à Índia, de 2 a 5 de dezembro de 1964, ocasião espetacular para encontrar-se com os pobres e tratar do tema do sofrimento no mundo. Por fim, recordamos a visita feita pelo Papa à sede da Organização das Nações Unidas, no dia 04 de outubro de 1965, onde pronunciou histórico discurso a favor da paz entre os povos.

Num longo e contínuo esforço de análise, reflexão, leitura dos sinais dos tempos, confrontação com a Palavra de Deus e o Magistério, mediante a atuação de iluminados Cardeais, Bispos, teólogos e leigos, o Concílio Vaticano II concedeu à Igreja quatro Constituições, nove Decretos e três Declarações. Passados 50 anos do encerramento do Concílio, vivemos as tensões de sua receptio, entre fluxo e refluxo, hermenêuticas de avanços e de retrocessos. Hoje, vivemos um tempo novo, de revigoramento das grandes intuições de João XXIII e de Paulo VI.

Inseridos num Colégio Pontifício, lugar da reflexão, do debate e do aprofundamento teológico, somos chamados a valorizar este modo novo de toda a Igreja ser para iluminar o mundo com as luzes do Evangelho. Dedicando uma de nossas capelas ao Bem Aventurado Papa Paulo VI, desejamos acolher as grandes inspirações do Concílio Vaticano II, levadas a cumprimento por este Papa do diálogo. É um ousado gesto de compromisso nosso, assumindo a graça do diálogo da Igreja com o mundo atual, que precisa ser intensificado nestes tempos de pós-modernidade. A Palavra do Apóstolo, na Segunda Leitura de hoje nos encoraja na “certeza de que aquele que começou em vós uma boa obra, há de levá-la à perfeição até ao dia de Cristo Jesus” (Fil 1,6).


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