HOMILIA DA MISSA DA SOLENIDADE DE N. SENHORA APARECIDA
NO PONTIFÍCIO COLÉGIO PIO BRASILEIRO - ROMA
10 de outubro de 2015


Cardeal Odilo Pedro Scherer


“Com grande alegria rejubilo-me no Senhor, e minha alma exultará no meu Deus, pois me revestiu de justiça e de salvação”. São palavras da Antífona de entrada prevista para a Missa de hoje, inspiradas na profecia de Is 61,10. Com palavras similares se inicia o cântico da Bem-aventurada Virgem Maria, o Magnificat, que a Igreja repete todos os dias na celebração das Vésperas. Há, porém, uma diferença nas palavras. As de Isaías estão no futuro. Ele é o profeta dos dias messiânicos. As da Santa Virgem estão no presente. Ela, aurora da salvação, canta a realização da promessa.

Com estas mesmas palavras inicio também esta homilia, pois elas representam verdadeiramente nossos sentimentos neste momento. É grande a alegria que sentimos todos nós, brasileiros ou amigos do Brasil, de poder celebrar aqui, neste “pedacinho do Brasil” (S. João Paulo II) que é o Colégio Pio Brasileiro, a Solenidade de nossa Santa Padroeira.

O Santo Evangelho, hoje, nos apresentou o encontro entre a Virgem Maria e aquela comunidade cuja alegria estava ameaçada pela falta do vinho da festa. Precisamente esta palavra – encontro – é a que define o milagre ocorrido no Brasil há quase 300 anos, na segunda quinzena de outubro de 1717. Nas bodas de Caná, o encontro começa, por parte de Nossa Senhora, com a percepção da situação de necessidade das pessoas. “Eles não tem mais vinho”. No Brasil, a situação era também de carência. A necessária pesca se revelava impossível. “Fazei o que ele vos disser”, é a orientação que deu aos que serviam na festa, e a determinação de Jesus foi a de abastecer as talhas não do desejado vinho, mas de simples água. Nossos pobres pescadores, perseveraram a lançar as redes na pura água do rio Paraíba. Vinho bom foi o resultado em Caná. No Brasil, a milagrosa pesca. Pesca que nos faz lembrar aquelas duas narradas pelos Santos Evangelhos. Uma no chamado dos primeiros Apóstolos, outra – pós-pascal – no conferimento da missão a Pedro. Onde a confiança é posta em Deus, a salvação se faz presente e começa a dar seus frutos.

O Santo Padre, Papa Francisco, antes do início da Jornada Mundial da Juventude, dia 24 de julho de 2013, quis ir ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, como Romeiro. Com isso, Sua Santidade quis confiar a Nossa Senhora a Jornada que teria início no dia seguinte, bem como a Igreja no Brasil e todo o povo Brasileiro. Naquela ocasião, ele nos convidou a conservar a esperança, a deixar-nos surpreender por Deus e a viver na alegria. Deste modo ele, em seus famosos três pontos, sintetizou a verdadeira e atual espiritualidade mariana. Alguns dias depois, no encontro com os Bispos do Brasil presentes à Jornada, ele voltou-se, uma vez mais, a Nossa Senhora Aparecida, e, partindo dos fatos históricos, fez, ao modo dos Santos Padres, uma interpretação espiritual de seu significado e do compromisso que eles encerram. Eu me permito aqui retomar alguns pontos destacados pelo Santo Padre.

Ele recordou que no início do milagre está a experiência da fraqueza e até da falência. Não era tempo de pesca, os pescadores eram pobres, seus barcos e suas redes eram muito frágeis e simples. Mas eles perseveraram na esperança, e Deus revelou sua presença de um modo inesperado: fez refletir sua beleza em uma imagem da Virgem Maria, também muito simples tanto a imagem quanto a Virgem. E, além disso, a imagem estava já escurecida pelas águas do rio e pelo tempo. “Deus entra sempre revestido de pequenez”, conclui disso o Santo Padre. E, disso, ele tira algumas conclusões:

    - a imagem foi encontrada aos poucos, partida: Deus dá uma mensagem de recomposição, de unidade, que precisa da nossa paciência;
    - os pescadores levaram para casa o “mistério”: o povo simples e piedoso sempre tem espaço para o mistério;
    - os devotos cobrem a imagem com um manto: é Deus que nos cobre com sua proteção, mas, antes, Ele se faz mendigo do nosso acolhimento;
    - os pescadores convidaram os vizinhos para partilharem com eles a contemplação do mistério, em oração: a experiência de Deus – a fé – quando é autêntica, traz consigo a necessidade de ser partilhada.

Disso, o Santo Padre concluía que a Igreja não pode “desaprender” a lição de Aparecida: a fragilidade é o meio escolhido por Deus para realizar sua obra; a Igreja deve sempre lembrar que não pode se afastar da simplicidade.

Queridos irmãos e irmãs, nós nos encontramos aqui, diante de uma imagem simples, pequena e negra. Mas nessa imagem veneramos algo muito maior: o amor misericordioso de Deus, que escuta sempre o pedido que lhe faz a Igreja, da qual a Rainha Ester é imagem: “Concede-me a vida – eis o meu pedido, e avida do meu povo, ei o meu desejo” (Est 7,3). E por reconhecermos a visita do próprio Deus Salvador, podemos, agradecidos, continuar a reconhecer os “sinais de Jesus” (Jo 2,11) e a testemunhar seu amor misericordioso, como discípulos missionários.

Estamos no contexto da XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, sobre a vocação e a missão da família na Igreja e na sociedade contemporânea. Rezemos para que produza muitos frutos bons na vida da Igreja. Peçamos, através da intercessão de Nossa Senhora Aparecida, por todas as famílias do Brasil, que têm tanta devoção e carinho por ela. Que por essa mesma devoção e religiosidade simples do povo, as famílias sejam restauradas e se tornem testemunhas das grandes maravilhas que Deus fez e continua a fazer por toda parte.

Desejo que a celebração da Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, tradicionalmente promovida aqui pelo Pontifício Colégio Pio Brasileiro e pela Embaixada do Brasil junto à Santa Sé, aumente nosso amor por nossa Pátria e nosso compromisso evangelizador. Pois, anunciar o Evangelho e testemunhar a presença do Reino de Deus é um grande serviço ao desenvolvimento integral de nosso amado Brasil.


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