O AMOR FAZ BEM


“O amor não faz nenhum mal contra o próximo” (Rm 13,10).

           O tempo litúrgico que vivemos é denominado: comum. Comum, pois visibiliza a força da cotidianidade. A força da cotidianidade que nos mantém, anima e fortifica é o extraordinário do mistério que se faz ordinário. O evento de Deus, Jesus, tornou-se extraordinário, pois “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou ali, no meio deles” (Mt 18,20). Ele sempre no meio de nós, Deus conosco! No ordinário da vida, a vida extraordinária que se manifesta e desperta no coração a reconciliação com o irmão e o faz participe da vida comum, da comunidade. Em Jesus, torna-se realidade a eternidade: “Tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra será desligado no céu” (Mt 18,18).

           As leituras que acabamos de ouvir nos despertam para a presença do próximo; a nossa relação, a nossa convivência. O Evangelho nos provoca a buscar e escutar o próximo; aproximar, escutar e oferecer a cura. Na proximidade da escuta, acontece a conversão, a reconciliação, a reintegração, a eternidade.

           Somos pessoas da escuta, escutamos! Papa Francisco impele-nos à escuta: “Precisamos exercitar-nos na arte de escutar, que é mais do que ouvir. Escutar, na comunicação com o outro, é a capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro encontro espiritual. Escutar ajuda-nos a individuar o gesto e a palavra oportunos que nos desinstalam da cômoda condição de espectadores. Só a partir desta escuta respeitosa e compassiva é que podem ser encontrados os caminhos para um crescimento genuíno, para despertar o desejo do ideal cristão, o anseio de corresponder plenamente ao amor de Deus e o anelo de desenvolver o melhor de quanto Deus semeou na nossa própria vida” (Papa Francisco, EG).

           Escutar deixa vir à luz o fundo da alma (Meister Eckhart), o que somos como herança de Deus em Jesus Cristo. Escutar nos faz escapar das aparências do que ouvimos e vimos: “Muitas vezes é melhor diminuir o ritmo, pôr de parte a ansiedade para olhar nos olhos e escutar, ou renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho” (Papa Francisco, EG).

           “Se teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo, mas em particular, a sós contigo” (Mt 18,15)! Sair ao encontro, aproximar-se! As relações destruídas, o rompimento dos vínculos, podem, no “em particular”, no “a sós contigo”, isto é, na escuta, reconduzir à dignidade de irmãos!

           Quando a primeira escuta e fala não são suficientes, acontece a expansividade: “toma uma ou duas pessoas contigo” para que possam testemunhar e alargar a escuta e a fala. Sempre na tentativa de ligar o céu e a terra, reconduzir à afabilidade da filiação divina a que todos pertencemos. É que a grandeza e a essência do nosso conviver não está nas nossas afirmações, mas na tangibilidade de que “eu estou aí, no meio deles” (Mt 18,20). Ele no meio de nós, nos envia e refazer, reconduz à integralidade da filiação divina.

           Ele que tudo desperta, ilumina, conduz e leva à consumação é que dá sentido ao nosso ser Povo de Deus, Comunidade, Igreja. Ele que nos concedeu o mandato, o mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Rm 13,10), como nos recordava a carta aos romanos. Em Cristo Jesus, todos os mandamentos tornam-se um só: amar. Amar, procurar o irmão e oferecer o que liga o céu e a terra: pertença da Trindade.

           Talvez, por isso Paulo nos dizia a pouco: “O amor não faz nenhum mal contra o próximo” (Rm 13,13). O amor só pensa no bem, o amor só sabe amar; o amor é bem querer, elevação, sustentação, resgate, perdão, reconciliação. Paulo nos faz intuir melhor o texto do evangelho que nos incita a buscar o irmão. O amor só persistentemente, incansavelmente pensa em fazer o bem; deseja chegar ao fim para que nada e ninguém se perca; nada esteja fora do amor. Ele só faz bem!

           Por isso, “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí, no meio deles” (Mt 18,20). A persistência, a perseverança no amor está na possibilidade de amar, principalmente quando não se é correspondido. Ele o demonstrou na preciosidade da Cruz. É que o amor transpira gratuidade! Não cobra, não soma, não divide; não sabe do porquê, do para quê. É transparência de doação, busca ilimitada de recondução à graça da irmandade, da familiaridade, como nos dizia o evangelho. É que no amor, como o de Deus em Jesus Cristo, experimentamos o sabor da eternidade, isto é, o que não passará.

           Somos, assim, convidados, conforme Ezequiel na primeira leitura a sermos “vigias da casa de Israel” (Ez 33,7). Vigia, como vigilância, como atenção redobrada, como olhos abertos, atentos, perscrutadores. Somos como discípulos-seguidores de Jesus Cristo constituídos como sentinelas do amor. O amor que constitui a casa dos homens, a nossa casa, onde nos movemos e somos. Como sentinelas do amor que só sabe fazer o bem, buscamos o irmão, a irmã na certeza de que Ele, o Amor, está no meio de nós. Como Ele nos busca e só sabe fazer o bem e, por isso, é o Bem amado, também nós somos enviados ao encontro do irmão como o Amor que faz sempre o bem!

           No tempo comum que vivemos, na ressonância da palavra que tentamos meditar, celebramos o dia da Pátria. Dia da Pátria porque dia da independência, ou melhor da autonomia. Aqui estamos como irmãos e irmãs que vivem a sua pátria na distância geográfica, mas na proximidade da pertença.

           Pátria, mãe pátria, casa de nossos pais! O país de origem! Origem como lugar onde se encontram nossas raízes. Os que nasceram e cresceram, crescem e renascem no desejo da pátria, da casa, do lugar de suas raízes. Devagar cresceu o desejo da independência, da autonomia. Tornamo-nos independentes e iniciamos a busca da autonomia; cresceu o sentido de pertencer ao Brasil, de ser brasileiro.

           Não terminamos a obra da Pátria, da terra dos nossos pais, enquanto não houver lugar para todos os que nascem e crescem, para que a Pátria seja autonomia. Lugar como possibilidade de realização, de chegar à plenitude da vida. Plenitude da vida perceptível no direito, na educação, na participação, na construção e estruturação dos laços essenciais da convivência.

           Ao celebrarmos o dia da Pátria somos recordados que a pátria se constrói quando há autonomia. Os filhos deverão crescer na certeza de que mais do que a geografia, do que as realidades que unem a todos, a Pátria só é pátria, quando casa de todos, quando ninguém é excluído.

           Como nos diz Jesus no Evangelho: onde dois ou três estiverem reunidos eu estarei no meio deles. Onde dois ou mais estiverem reunidos, unidos, reconciliados há fraternidade. Quando estivermos na disposição da acolhida e, por isso, do mandamento do amor, estaremos na atenção de todos os que visibilizam a Pátria. E quando seguirmos a palavra da carta aos romanos: “o amor não faz nenhum mal contra o próximo”, isto é, quando no amor fizermos somente o bem, estaremos na possibilidade de uma pátria que tem gosto de eternidade. É que o amor só faz bem!

           Somos convidados, na aproximação e reconciliação entre irmãos, a permanecermos na alegria do Evangelho e reconduzir a todos à plenificação, à realização de um novo céu e uma nova terra. É que pertencemos à pátria definitiva que passa pela pátria de nossos pais. Deixemo-nos tomar pela “alegria do Evangelho” enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus.” (Papa Francisco, EG).

           Senhor, proclamar-Te-emos, indicar-te-emos. Tu nossa alegria, nosso olhar e escuta, nossa palavra; nosso hálito e respiro; Tu nossa casa, nossa morada, nossa pátria. Sê nosso guia, mestre, caminho, verdade; nosso amor, nosso amado; nossa vida e minha missão. Tu que és o único que conheces as profundezas de nosso coração (cf. São Romano, A missão dos Apóstolos) enviai a cada um de nós como diálogo e reconcliliação: palavra e gesto de misericórdia!

           Maria, Mãe de Deus e nossa acompanhai-nos no desejo de mostrar o teu e nosso Jesus a todos os homens e mulheres. Tu Padroeira do Brasil estende teu manto e protege a todos os teus filhos e filhas do Brasil. Amém.

Roma, 7 de setembro de 2014


+ Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário Geral da CNBB



 

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