HOMILIA DO SENHOR CARDEAL
DOM RAYMUNDO DAMASCENO ASSIS
NA MISSA DA SOLENIDADE
DE NOSSA SENHORA APARECIDA
PONTIFÍCIO COLÉGIO PIO BRASILEIRO

Roma, 11 de outubro de 2014


Eminência Reverendíssima Dom Geraldo Majella Agnelo – Cardeal Arcebispo Emérito de São Salvador da Bahia;

Eminência Reverendíssima Dom Odilo Pedro Scherer – Cardeal Arcebispo de São Paulo;

Reverendíssimo Pe. João Roque Rohr – Representante da Companhia de Jesus;

Reverendíssimos presbíteros, religiosas e religiosos convidados;

Caríssimo Pe. Geraldo Maia, Reitor deste Colégio e demais membros da Direção;

Caríssimos irmãos da Comunidade Presbiteral deste Colégio;

Caríssimas Irmãs Filhas do Amor Divino;

Caríssimas Irmãs Filhas do Amor Divino;

Excelentíssimo Sr. Denis Fontes de Souza Pinto, DD. Embaixador do Brasil junto à Santa Sé e Senhora Embaixatriz Maria do Carmo de Souza Pinto e demais autoridades aqui presentes e representadas;

Caros irmãos e irmãs;


Confesso que meu pensamento, este final de semana, está voltado para o Santuário Nacional de Aparecida, para o povo de minha querida Arquidiocese e para os Romeiros de todo o Brasil. Mas posso também afirmar que é uma alegria presidir a Santa Missa aqui neste “pedaço do Brasil em Roma”, como o Pontifício Colégio Pio Brasileiro foi chamado por S. João Paulo II.

Para contextualizar esta celebração da Solenidade de nossa Padroeira, quero ter presente três importantes referências. Primeiramente, a Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, que tem por tema “os desafios pastorais sobre a família no contexto da nova evangelização”, e está se realizando nesses dias. Ser mãe de família foi o que caracterizou a vida da Virgem Maria do ponto de vista antropológico e social. Ser “Mãe de nosso Deus e Senhor Jesus Cristo” (Oração Eucarística I) é o núcleo teológico de toda a mariologia. A verdadeira devoção a Nossa Senhora é, portanto, indissociável da experiência familiar. A segunda referência, é o processo eleitoral que o Brasil está vivendo. Nossas intenções nesta celebração incluem o pedido pelo futuro de nossa amada Pátria, que, em boa parte, depende das escolhas daqueles que elegemos no primeiro turno das eleições e dos que serão ainda eleitos no segundo turno. E, por fim, quero recordar que este ano começou o triênio de preparação para o tricentenário do encontro milagroso da imagem de Nossa Senhora Aparecida. No Santuário, e em todos os lugares que fazem uso da sua Novena, este ano as celebrações são motivadas por temas ligados aos mistérios dolorosos do Santo Rosário.

A Palavra de Deus hoje proclamada faz ressoar esta bela frase: “se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se for de teu agrado, concede-me a vida — eis o meu pedido! — e a vida do meu povo — eis o meu desejo!” (Est 7,3). Com estas palavras, a rainha Ester se dirige ao rei Assuero. Em Ester a Igreja contempla uma prefiguração tipológica de um dos aspectos da missão de Nossa Senhora na História da Salvação: a intercessão. O Santo Evangelho, apresentando o primeiro sinal realizado por Jesus, apresenta sua Mãe como a Mulher que se ocupa da falta de vinho para a festa. Todo o conjunto dessa perícope é altamente simbólico: a festa das núpcias, o vinho que falta, as talhas para a purificação, a Mulher que insta seu Filho a agir, o abundante vinho novo, a fé dos discípulos... Mas no conjunto da liturgia de hoje, pela confluência da figura feminina, destaca-se a o papel intercessor da Santíssima Virgem. Talvez seja este o aspecto mais característico da devoção popular: a confiança na intercessão dos santos, especialmente da Virgem Maria.

O pedido de Ester é a vida de seu povo, o discreto pedido da Mãe de Jesus é o vinho novo, a alegria, em outras palavras: a vida plena. Não é de estranhar que o povo confie tanto em Nossa Senhora. Observando a ampla galeria dos ex-votos em nosso Santuário Nacional podem ser encontrados objetos ligados a praticamente todas as situações da vida humana. Isto mostra que os devotos intuem que toda a sua vida, em todos os seus aspectos, pode ser confiada a Deus sob o olhar materno e a proteção da Virgem Maria.

Gostaria de recordar que, durante o encontro com os Bispos do Brasil presentes à Jornada Mundial da Juventude, o Papa Francisco – fazendo uma interpretação espiritual, semelhante às alegorias tão caras aos Padres da Igreja – tomou a história do encontro milagroso da imagem e do início da devoção a Nossa Senhora Aparecida como “chave de leitura para a missão da Igreja”. Ele recordou que no início do milagre está a experiência da fraqueza e até da falência: não era tempo de pesca, os pescadores eram pobres, seus barcos e redes eram frágeis e simples. Mas eles perseveraram na esperança, e Deus revelou sua presença de modo inesperado: fez refletir sua beleza em uma imagem da Virgem Maria, também muito simples. E, além disso, a imagem estava já escurecida pelas águas do rio e pelo tempo. “Deus entra sempre nas vestes da pequenez”, conclui disso o Santo Padre.

Além disso, a imagem foi encontrada aos poucos, pois estava partida. Daqui o Papa tira também conclusões inspiradoras: 1) Deus dá uma mensagem de recomposição, de unidade, que precisa da nossa paciência; 2) os pescadores levaram para casa o “mistério”: o povo simples e piedoso sempre tem espaço para o mistério; 3) os devotos cobrem a imagem com um manto: é Deus que nos cobre com sua proteção, mas, antes, Ele se faz mendigo do nosso acolhimento; 4) os pescadores convidaram os vizinhos para partilhar com eles a contemplação do mistério: a experiência de Deus – a fé – quando é autêntica, traz consigo a necessidade de ser partilhada. Por fim, o Papa conclui que a Igreja não pode “desaprender” a lição de Aparecida: a fragilidade é o meio escolhido por Deus para realizar sua obra; a Igreja deve sempre lembrar que não pode se afastar da simplicidade.

Queridos irmãos e irmãs, na pequena imagem de Nossa Senhora Aparecida veneramos algo do “grande sinal” de que o livro do Apocalipse nos fala (12,13a): a Mulher que deu à luz o Filho do Homem. Segundo os Evangelhos Sinóticos, “Filho do Homem” foi o título predileto de Jesus. É tido como historicamente seguro que Jesus o empregava para se referir a si mesmo. Após sua morte e ressureição, seus discípulos, com o auxílio da Escritura, encontraram nesse título, por uma lado, a afirmação da condição divina de Cristo e de sua ressurreição – na linha da profecia de Daniel – e, por outro, sua condição humana e sua morte – a partir da profecia do Deutero-Isaías sobre o servo sofredor. Portanto, quando o Apocalipse fala da Mãe do Filho do Homem como um “grande sinal”, apresenta a Mulher ao mesmo tempo gloriosa e aflita. Podemos usar palavras semelhantes para retratar a simplicidade da imagem de Nossa Senhora Aparecida, mas também sua poderosa intercessão e sua proximidade ao povo de Deus peregrino. Nela contemplamos a discípula perfeita, que, “avançando na peregrinação da fé” (LG, 58), se identificou totalmente com seu Filho.

Caríssimos, que a devoção a Nossa Senhora aparecida nos estimule cada vez mais a sermos discípulos missionários de Jesus Cristo, faça crescer nosso amor pela Igreja e nos ajude a estar próximos a nosso povo, ao seu caminho de fé e às suas necessidades.


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