O Pio Brasileiro e sua trajetória pelas paragens romanas



Dois importantes acontecimentos marcaram a vida do Pontifício Colégio Pio Brasileiro, no decorrer de 2014: a celebração de seus oitenta anos de fundação, em 03 de abril, e a transferência, em 30 de setembro, da direção do Colégio, até agora, sob a responsabilidade da Companhia de Jesus, para uma equipe de sacerdotes diocesanos, escolhidos pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que diretamente a supervisiona e a acompanha, salvo sempre as prerrogativas próprias da Congregação para o Clero.

Com a devolução à CNBB da responsabilidade pela condução do Colégio, a Companhia de Jesus encerra um período de oito décadas de acompanhamento dos seminaristas e padres brasileiros, desde a inauguração do mesmo. Mas, se considerarmos bem, esse acompanhamento formativo começou bem antes, ainda na segunda metade do século XIX, quando os clérigos brasileiros compunham, com os colegas hispano-americanos e filipinos, o alunado do Pontifício Colégio Pio Latino.

De fato, pelo Pio Latino, como o Colégio ficou conhecido, passou, no decorrer de várias décadas, um considerável número de seminaristas, oriundos de diversas dioceses brasileiras. Lá se formou, além de muitos padres, um consistente número de bispos e arcebispos que, a partir do final do século XIX e no decorrer da primeira metade do século XX, conduziram as dioceses e arquidioceses que se iam multiplicando pelo Brasil a fora. Dentre eles, três receberam o título de Cardeal: D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, D. Sebastião Leme da Silveira Cintra e D. Alfredo Vicente Scherer. É bom recordar que D. Joaquim Arcoverde foi o primeiro latino-americano a ser distinguido pela Igreja com tão alta honraria.

Com o passar dos anos, porém, o número dos alunos do Pio Latino continuava crescendo. Foi quando os responsáveis por aquela instituição julgaram ser o momento de encaminhar um possível desmembramento para ela. Essa idéia encontrou o apoio do Papa Pio XI e a colaboração efetiva do Geral da Companhia de Jesus, Padre Vladomiro Ledockowski, mesmo porque eram os jesuítas que, desde os primeiros anos, dirigiam aquela importante casa de formação. Por outro lado, os prelados brasileiros, que já há muito tempo vinham alimentando o sonho de um Colégio eclesiástico próprio, na Cidade dos Papas, assumiram com entusiasmo, sob a liderança de Dom Sebastião Leme, essa importante causa.

Com efeito, no Natal de 1927, nossos bispos enviaram ao clero e aos fiéis do Brasil uma Carta Pastoral Coletiva, apresentando as razões que justificavam a construção de um colégio próprio, em Roma, e, ao mesmo tempo, lançavam uma Campanha Nacional para recolhimento de fundos, a fim de realizar o ambicioso projeto. Em 1929, depois de superados todos os entraves, foi lançada a primeira pedra, iniciando-se, logo em seguida, a construção do edifício. Cinco anos mais tarde, a 03 de abril de 1934, celebrou-se com muita pompa sua inauguração. A turma fundadora, formada por 34 padres e seminaristas, saiu do Pio Latino, donde há meses aguardava ansiosamente aquele momento. Como no Colégio anterior, também aqui a direção coube aos jesuítas.

Daí para frente, os alunos foram aumentando, até ao advento da Segunda Guerra Mundial, em 1939. Durante o período da guerra, esse número se reduziu a apenas 12 alunos, assim mesmo porque já não havia condições seguras para o retorno deles à pátria distante. Passada a guerra, porém, o movimento, se inverteu. Assim, já no ano acadêmico de 1954-1955, o Pio Brasileiro abrigava a maior turma de sua história, até hoje: 130 alunos.

Na década de sessenta, no decorrer do Concílio Vaticano II, os residentes de então não só tiveram a alegria de conviver com o Episcopado brasileiro, presente, em Roma, por largas temporadas, mas também a oportunidade de participar de conferências e debates, envolvendo os maiores teólogos da época, como Rahner, Congar, De Lubac, Chenu, Ratzinger, Schillebeeckx e outros. Muitos dos padres de hoje, que tiveram a ventura de ser aluno do Pio Brasileiro, naquela época, ainda falam com emoção da extraordinária experiência de Igreja que vivenciaram.

Mas o pós-Concílio, além da salutar renovação que desencadeou em vários setores da Igreja, também provocou, com sua novidade, uma profunda crise em muitas de suas estruturas. Os Seminários e as Casas de Formação, em geral, também em decorrência de outros fatores, foram atingidos profundamente. Por toda a parte, aconteceu um esvaziamento nas instituições formativas e, no Brasil, as coisas não aconteceram diferentemente. Os reflexos dessa crise logo se fizeram sentir também no Pio Brasileiro. O alunado começou a diminuir e, como acontecia por toda parte, cresceu bastante o clima de insatisfação e contestação.

Mas, felizmente, essa fase, há tempo, já foi superada. No Brasil, mesmo em Regiões onde antes escasseavam as vocações sacerdotais, hoje, se convive com seminários florescentes. Também no nosso Colégio, pouco a pouco, foi-se recuperando o clima saudável de antes e o número dos alunos, a partir da década de noventa, foi sempre aumentando, até superar a casa de 120, nos primeiros anos do século XXI.

Embora a grande maioria dos padres provenha de dioceses do Brasil, o Colégio vem acolhendo, sobretudo a partir dos anos oitenta, certo número de alunos, oriundos de outras nações, quase sempre de países latino-americanos ou da África Portuguesa. Nos últimos anos, também foram recebidos alguns representantes do longínquo Timor Leste, antiga colônia de Portugal.

E hoje, como se apresenta o dia-a-dia do Pio Brasileiro? - Para começar, todos os alunos ordinários são sacerdotes, envolvidos em programas de pós-graduação universitária. Um bom número deles está inscrito num curso de doutorado. Em decorrência dessa situação, a vida da casa é baseada mais na autodisciplina, do que na observância de horários minuciosos. Cada um, respeitando os momentos comunitários indispensáveis, organiza seu próprio dia, sabedor de que o estudo, na universidade ou em casa, constitui, aqui, sua ocupação principal. Evidentemente que há outros elementos importantes a serem considerados: vida espiritual e eucaristia, atividades culturais, esporte e lazer que, conforme o gosto e as disponibilidades pessoais, também estão presentes nas preocupações de cada um. A dimensão pastoral é vivida buscando-se as ocasiões favoráveis. No período do Natal, da Páscoa e nas férias de verão, quase todos realizam alguma atividade em paróquias, atendendo solicitações de muitos lugares. Vários, no decorrer do ano, celebram em casas de religiosas, situadas nas imediações do Colégio ou ajudam, nos fins de semana, em paróquias não muito distantes de Roma.

Mas a vida do Colégio não se resume apenas a estudo, pastoral e oração. Em momentos especiais, há celebrações maiores, com afluência de autoridades e de público externo. Dentre todas essas festas, merecem destaque o Dia da Independência do Brasil e o Dia da Padroeira, Nossa Senhora Aparecida. Nessas datas, depois da missa festiva, costuma haver uma confraternização, no Salão de Atos, às vezes com a presença de artistas brasileiros patrocinados pela Embaixada do Brasil Junto à Santa Sé. Essas ocasiões se constituem em momentos de descontração e amizade para os que vivem longe de sua Pátria.

Não obstante todos esses elementos, porém, qual é mesmo o resultado mais duradouro que o Pio Brasileiro tem proporcionado à Igreja do Brasil? – Nos seus oitenta anos de existência, já passaram pelo Colégio mais de 2100 alunos, uns ainda seminaristas, outros já sacerdotes, muitos dos quais residiram nele, por duas ou mais temporadas. A grande maioria deles ocupou ou ocupa atualmente funções importantes no magistério eclesiástico, na direção e formação dos Institutos Filosóficos e Teológicos, nos Seminários ou em outros setores importantes das dioceses, espalhadas pelo Brasil a fora e também por outras regiões do Mundo. O número dos ex-alunos ordenados bispos já se aproxima dos 150. Destes, seis já atingiram o cardinalato: D. Agnelo Rossi (também foi aluno do Pio Latino), D. Serafim Fernandes de Araújo, D. Geraldo Majella Agnelo, D. Odilo Pedro Scherer, D. João Braz de Aviz e D. Raymundo Damasceno de Assis.
Um ex-aluno, Pe. João Bosco Penido Burnier, turma 1934, depois jesuíta, deu sua vida pela causa da justiça, ao ser barbaramente assassinado em Ribeirão Cascalheira, MT, a 12 de outubro de 1976. De outro, o antigo Bispo de Garanhuns, D. Francisco Expedito Lopes, assassinado por um sacerdote tresloucado de sua diocese, foi introduzida, recentemente, a causa de beatificação e canonização. Também de D. Luciano Mendes de Almeida, que foi Diretor de Estudos do Colégio, na década de sessenta, se introduziu a causa de beatificação.

No dia 30 de setembro de 2014, na cerimônia de transferência das responsabilidades pela condução do Pio Brasileiro, a Presidência da CNBB quis registrar, numa placa aposta no Salão de Atos, seu reconhecimento e agradecimento, na pessoa do Prepósito Geral da Companhia de Jesus, Pe. Adolfo Nicolás Pachón, S. J., aos jesuítas que, durante esses 80 anos trabalharam no Colégio. Na mesma ocasião, foram descerradas as fotos de todos os reitores do período, desde o primeiro, Pe. Riou, até o que encerra a série, Pe. João Roque Rohr, S. J.

Cabe agora à Diretoria empossada na ocasião para iniciar a nova etapa, na vida do Colégio, formada pelo Pes. Geraldo dos Reis Maia (Arquidiocese de Uberaba, MG), Domingos Barbosa Filho (Arquidiocese de Teresina, PI), Antônio Reges Brasil (Arquidiocese de Pelotas, RG) e Olindo Furlanetto (Arquidiocese de Manaus, AM), com o apoio, não só dos alunos, mas também de todos aqueles que percebem a importância desse Colégio plantado em plena Cidade dos Papas, imprimir sua marca diocesana a esse espaço privilegiado, onde muitos presbíteros vêm buscar um aprimoramento qualificado, em sua formação permanente, visando melhor servir à Igreja de seu País.

P. Geraldo A. Coêlho de Almeida, S. J.

 

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